Qualquer um que venha a Florianópolis como turista conhece a praia da joaquina, a Lagoa, a Ponte... Existem coisas bem peculiares daqui, no entanto, que só morando aqui por um tempo podemos conhecer. Algumas:

Existe uma chance maior que zero de o motorista parar o carro se você pisar na faixa de pedestre.

O ônibus que vai do Ribeirão da Ilha para o terminal do Rio Tavares se chama "Ribeirão da Ilha", e o que vai do terminal do Rio Tavares pro centro se chama "Rio Tavares".

Se você, vindo do centro, desce no terminal do Rio Tavares, você pode: a-pegar um ônibus que vai para outro terminal sem pagar nada; b-passar numa roletinha e pegar um ônibus de bairro e pagar: b1-55 centavos se pagar em $ antes do ônibus começar a andar ou b2-1,60 se pagar em $ depois que o ônibus começar a andar.

De cada dez frases que alguém fala, nove começam com " então, porque assim, ó ", isso tudo em meio segundo fica assim: "n'tãoprqssim-ó".


Se alguém disser que você se arrombou (tiarrombassi), não está te ofendendo, é a versão local do "sifú" paulistano.


Não existe o conceito de fila única por aqui. Se existe mais de um guichê ou caixa pra te atender, ou tem senha, ou você aposta no mais rápido, como em uma corrida de cavalos. Qualquer um pode chegar e em 15s ser atendido enquanto o pobre sujeito ao seu lado já está a quinze min apreciando as costas de alguém, porque apostou errado (coitado, se arrombou!).

Aqui tem senha na papelaria, farmácia, loja de roupas esportivas, loja de eletrônicos, loja de bijoux, loja de sapato, loja de material pra bijoux... Essas são só as que eu já vi.

Quando alguém diz que está afim de alargar as aberturas, está falando das portas e janelas de casa.

Difícil construir, fácil destruir. A física é sempre a mesma e a entropia muitas vezes não é desejada. De quantas particularidades era feito o Mercado Público? Quantas particularidades têm um monte de cinzas? Cinzas não ardem em chamas. Particularmente, não ardem em chamas pra formar um Mercado Público.

Em terra de cego, quem tem um olho ia ter um belo trabalho pra explicar pro restante o que é enxergar.

Uma rosa e um dia nublado

Não entendo como "ordinário" acabou virando xingamento. Vejo o mar de prata da Expressa Sul pela janela do ônibus quase todos os dias. Ele é ordinário. Ainda assim, corro pra sentar na janela toda vez que entro no ônibus, pra vê-lo mais uma vez. Ele me deslumbra.

O mar é só um exemplo entre muitos. Tem muitas coisas ordinárias que já me deslumbraram: paralelepípedos (depois da chuva ou não), gotas de chuva, pilha de papéis, lentes dos óculos, veios da madeira, tijolos, espelho quebrado. Como um monte de pinheiros juntos pode ter textura de veludo, se ele espeta?

Isso pode ser, claro, simples consequência de que o meu deslumbramento seria um acontecimento daqueles muito, mas muito ordinários mesmo.

São infinitos os jeitos de retirar o meu não fotogênico rosto do enquadramento. Segundo o Chico Buarque, as restrições indesejadas podem estimular a criatividade positivamante.